É uma autêntica odisséia no espaço. O planeta Terra está se movendo em desabalada carreira através do Universo— e um dos grandes desafios da ciência moderna é justamente determinar qual é, afinal, o destino definitivo dessa incrível viagem. O curto tempo necessário para ler esta página basta para mostrar que a viagem, além de incrível, é assustadora. Pois, sem perceber, quando terminar a leitura, um terráqueo terá se deslocado por uma distância imensa: cerca de 400 mil quilômetros, ou dez vezes a circunferência do planeta, segundo as últimas contas apresentadas pelos astrônomos e astrofísicos, os homens que investigam o céu.
O que eles não sabem é explicar a causa desse movimento, o qual, traduzido em grandes números, indica que a Terra voa a cerca de 2 milhões de quilômetros por hora, vinte vezes mais veloz que as mais lépidas naves já lançadas. Os cientistas imaginam que estamos sendo arrastados por uma inesperada e formidável concentração de estrelas, em algum ponto do espaço, na direção da constelação do Cruzeiro do Sul, mas certamente muito além dela. Incapazes de divisar o vasto vulto dessa massa de estrelas, que permanece nos confins do Cosmo, oculta dos telescópios, os cientistas se contentam em lhe dar um nome portentoso: o Grande Atrator.
É possível até que não haja estrela nenhuma na reta final da corrida: o Grande Atrator pode revelar-se um personagem muito mais estranho e incomum do que os prosaicos sóis conhecidos pela ciência. As mais notáveis candidatas ao título de Grande Atrator ainda são as estrelas, ou melhor, as grandes concentrações de estrelas, como as galáxias e os grupos de galáxias, chamados aglomerados ou superaglomerados, dependendo do seu tamanho. É instrutivo observar esses colossos siderais para entender como nasceu o enigma do Grande Atrator. O périplo terrestre começa com o Sol, o mais próximo centro de força gravitacional que influencia o movimento do planeta. A portentosa massa solar exerce uma atração constante sobre a Terra, fazendo-a girar à sua volta a 100 mil quilômetros por hora.


A surpresa foi grande, pois não se esperava que houvesse outra enorme concentração de matéria capaz de competir com aquele aglomerado. Mas a novidade foi cuidadosamente checada e confirmada. Os grandes telescópios revelaram que na direção da parte da Via Láctea ocupada pelas constelações da Hidra e do Centauro, mas a 120 milhões de anos-luz, há um gigantesco enxame de estrelas, como nunca se tinha visto antes. A descoberta deixou os cientistas desconfiados; afinal, como ter certeza de que no futuro não se achariam novas causas para o rocambolesco movimento da Terra? Era preciso imaginar um meio de dar um xeque-mate na questão—e foi com essa meta que se reuniram, há cerca de cinco anos, os membros de um grupo de elite da comunidade astronômica, que atende pelo respeitável apelido de Os Sete Samurais. Fiéis à fama, os americanos Alan Dressler, David Burnstein, Roger Davis, Sandra Faber, e os ingleses Donald Lynden-Bell, Robert Terlevich e Garry Wegner decidiram lançar mão dos mais modernos instrumentos de investigação celeste para levar a cabo a missão. Suas armas de pesquisa são as mais sofisticadas do planeta, como os telescópios estrategicamente situados nos Andes chilenos, Estados Unidos, incluindo Havaí, Austrália e África do Sul. A grande vantagem desses instrumentos é a disponibilidade de tempo: podem ser empregados por longos períodos no mapeamento do céu. A eles, os Sete Samurais acrescentaram detectores eletrônicos capazes de registrar oitenta de cada cem partículas de luz que recebem—um avanço espantoso em relação aos filmes fotográficos, que acusam uma única partícula a cada cem.
Enfim, vêm os computadores. Diretamente ligados aos telescópios, analisam e corrigem incessantemente as imagens captadas, transformando sinais distorcidos em fonte segura de informação. Após cinco anos de trabalho, os Sete Samurais expuseram o resultado da caçada: o próprio superaglomerado de Hidra-Centauro está sendo arrastado. Ou seja, não é ele. ainda, o Grande Atrator.
Apresentada no final do ano passado, a notícia causou grande agitação entre os cientistas. Primeiro, porque o mapeamento dos Sete Samurais foi extremamente amplo, medindo a posição e a velocidade de 400 galáxias num raio de 400 milhões de anos-luz.. O segundo motivo de agitação é mais complexo. A partir de 1977, inventou-se novo método—muito preciso —para medir a velocidade da Terra, utilizando para isso nada menos que o brilho apagado do Big Bang, a grande explosão que deu origem ao Universo.
Essa luz fóssil, gerada entre 15 e 20 bilhões de anos atrás preenche por igual todo o Cosmo e chega à Terra vinda ao mesmo tempo de todas as direções. Ela agora se encontra na forma esmaecida de microondas, semelhante à radiação empregada nos fogões modernos. É o fato de ser idêntico em todas as direções do espaço que torna a luz do Big Bang um bom meio de medir a velocidade da Terra. Pois, se a Terra se move numa certa direção, a radiação primitiva será um pouco mais forte nessa direção —quebrando a uniformidade original do brilho cósmico. As medições realizadas até agora são taxativas: há realmente um ponto no céu onde a radiação se acentua, enquanto no rumo exatamente oposto ela se reduz a um mínimo.
Esse seria o movimento definitivo da Terra— medido em relação ao próprio espaço e não em relação a outras estrelas e galáxias. Descontadas todas as piruetas, a Terra estaria avançando a cerca de 2 milhões de quilômetros por hora rumo à constelação de Hidra. É de perder a respiração. Durante toda a história da humanidade, a sensação de movimento sempre provocou um certo desconforto. Quando o astrônomo polonês Nicolau Copérnico (1473-1543) descobriu a revolução da Terra em torno do Sol—foi a primeira vez que se admitiu que a Terra não estava em repouso sereno—, a reação dos conservadores foi violenta, como se vê pelo destino do filósofo italiano Giordano Bruno (1548-1600), queimado por defender a existência de infinitos mundos em permanente correria cósmica.